Açafrão-da-Terra
Curcuma longa

Era uma vez, uma planta chamada alegria, no meu dicionário se chamava assim, pois sempre ao vê-la, sorria. Sorria por suas cores, por seu aroma, por seus sabores. Hoje em dia a chamam Açafrão-da-Terra, mas ao vê-la continuo a sorrir. Sorrio por reconhecer a generosidade da natureza que nos agracia com espécies assim tão intensas, cheias de talentos...
Veio o tecelão e tingiu as tramas com as suas cores, veio a sábia senhora colocando na pele e cabelos a maciez e cuidados, que vem dos teus amores, ou teus princípios, veio o cozinheiro e com suas propriedades encheu de sabor e beleza a saudável refeição, veio a alquimista e curou as mazelas do entorno manipulando teu ser... Açafrão, Açafrão-da-Terra (Curcuma longa), vejo em ti um irmão, agradável companhia no meu caminho.
Ao longo do ano comigo... em outubro a brotação nos teus rizomas me conta sobre teus desejos de penetrar o solo para se desenvolver e multiplicar-se no ventre da mamãe Terra. Aos pouquinhos vai crescendo e no verão tua folhagem já exuberante tinge de verde o meu quintal, oferece tuas folhas perfumadas para embrulhar os meus assados, só se preciso... colho com cuidado, o mesmo cuidado que dispensas a mim, na tua forma vegetal de se expressar. Quem sabe surgirão flores... uma das alegres surpresas que reservas em ti. Com o passar do tempo, cada vez mais altivo, exuberante... no entanto, em meados do outono inicia teu processo de senescência, quando no auge de sua maturidade irá doar de suas folhas, farta nutrição a tua parte encoberta sob o solo fecundo. Em julho, ao nos agasalharmos do frio, tuas folhas desvanecidas, deitam sobre o chão, formando caminha ocre nos convidando a colheita, perfeita celebração!
E envolvido nos braços amorosos da mãe Terra, te encontramos radiante em tuas cores, não é em vão que teu retorno esplendoroso se dá sob o signo de Leão, teu magnetismo generoso nos induz a querer-te em nós, e então reencontramos a alquimista, o tecelão, a sábia senhora, o cozinheiro.... e quem mais souber apreciar-te.
Um dia, no afã de conhecer-te melhor, travei conversa contigo: – De onde vens amigo? – Tenho em minhas memórias, que meus antepassados vieram da Índia e da Ilha de Java, mas os que vieram para o Brasil se adaptaram muito bem. – A qual família pertences? – Zingiberiaceae. Talvez conheças o meu primo gengibre? Me perguntou empolgado o açafrão. – Ah sim, conheço muito, é outro grande amigo meu. E é claro, cá entre nós, era muito fácil perceber o parentesco entre esses dois, com esse jeitinho rizomatoso de ser: guardando reservas em caules subterrâneos, a aparência herbácea, com folhagens surgindo e desaparecendo anualmente, e com essa mania de florescerem quando bem entenderem, além, é claro, do já famoso artifício de seduzirem com seus requintados perfumes. Por conta disso, são frequentadores assíduos de muitos chás entre amigos, almoços de família, festas, jantares... ainda bem que não tenho ciúmes dos meus amigos.
O açafrão é realmente um tipo pop star, volta e meia está cobrindo a pele e cabelos das mulheres que buscam mais saúde e beleza, por exemplo. E como já disse: “sob os auspícios de Leão”, vem ele todo vaidoso me contando assim: – Sabes, guardo muitos segredos em mim, e vários estudiosos tem se debruçado sobre meu ser, em busca de descobri-los. E eu, mais que curiosa: – E descobriram? – Algumas coisinhas... mas vou te contar, colocaram cada nome em tudo isso, para começar chamam o conjunto de meus segredos de fitoquímica, e para cada um deles um nome mais complicado que o outro: curcumenoides, glicídeos, turmerona, arturmerona, α-zingibereno, bisabolano, linalol, eugenol, guaiano, borneol, d-sabineno, ácido caprílico, 1-fenil-HO-N-pentano, limoneno, curcumenol, curcumenona, zerumbona, 1-(3-ciclopentilpropil), 2,4-dimetilbenzeno, β-sesquifelandreno, germacreno, D-α-felandreno, 1,8-cineol, α-curcumeno, di-hidroturmerona, γ e α-alantolactona, etc. não é coisa de louco o que essa gente inventa? Mas deve ser uma forma de preservar os meus segredos, afinal, ninguém vai conseguir nem ao menos pronunciá-los.
Eu bem enxerida, não me contenho: – Mas afinal, qual a finalidade de tantos segredos? – Bom, é que tudo isso que carrego em mim, tem diversas propriedades para cuidar das pessoas, que ao invés de ficarem gratas, usaram esta desculpa para me encher de apelidos esdrúxulos, do tipo: colerético, colagogo, hipolipêmico, resolutivo, diurético, excitante, cordial, estomáquico, antidiarreico, antiescorbútico, antiespasmódico, emenago, litotríptico, cicatrizante, hepatoprotetor, carminativo, antiparasitário, afrodisíaco, circulatório, febrífugo, anti-inflamatório, antiulcerogênico, antirreumático, etc. Considero tudo isso um excesso de criatividade para nomes, hahaha.
- Mas uma coisinha tem me incomodado um pouco. Complementa meu querido Açafrão. – Estes estudiosos que falei antes tem espalhado umas histórias a meu respeito... falando que para eu realmente ser bom, devo andar acompanhado. Dizem que se eu andar com meu primo Gengibre ou com a Dona Pimenta-do-reino e besuntado em azeite de oliva, tudo certo, sou ótimo, mas se eu andar sozinho, não passo de promessa. Depois vêm me falar que a Senhorita Quercetina é também muito indicada para associar-se comigo. E eu por aqui me pergunto: - Não seria tudo isso um mistério ainda não descoberto? Será que os seres humanos estão preparados para toda minha potência? Não seria melhor manter-me perto ao longo dos dias, para que eu, aos pouquinhos, faça os meus serviços? Não que eu queira andar sozinho, gosto muito de estar em sucos, chás e outros preparados junto ao meu primo Gengibre, e sim, muitas vezes no refogado, a partir dos segredos da cebola, estou bem juntinho da famosa Quercetina, e se por requinte você finalizou o refogado com a Dona Pimenta-do-Reino? Quem não fica ainda melhor perto dos amigos? O fato é, não gosto que me rotulem assim, dessa forma tão definitiva e fria, apesar de eu estar aqui todo fresquinho circulando durante o inverno, não vejo a hora de chegar a primavera para ser acolhido junto a mamãe Terra, pois esta sim, conhece todos os meus segredos. Para todos os outros: contentem-se então com meu pozinho e outros vestígios secos, haha. Mesmo assim, amo vocês. E para não dizerem que não avisei: sou contraindicado para alguns, perguntem aos estudiosos! E eu olhando para todo este brilhantismo e beleza, eu sorria.
Com certeza esta amizade perdurará por uma vida.

As cores do açafrão tingindo minha camiseta: quando visto sorrio.
Tingimento têxtil com açafrão:
Quer fazer um experimento? Você pode utilizar folhas de goiabeira para preparar o tecido que quiseres tingir. Para uma camiseta, por exemplo, você pode utilizar umas 250g de folhas de goiabeira, as quais você colocará em uma panela de inox e deixará ferver por meia hora. Depois coe, e devolva para a panela a infusão resultante, acrescente o tecido a ser tingido e deixe ferver por 15 minutos. Retire o tecido da panela e deixe escorrendo enquanto prepara o corante: neste caso você pode utilizar 3 colheres de sopa de pó de açafrão, colocar em uma panela com água, deixar ferver por 10 minutos, colocar a camiseta que estava escorrendo e ferver por mais 20 minutos, mexendo de vez em quando. Ao finalizar deixe esfriar dentro da panela, depois enxague abundantemente até a água sair limpa. Utilize um pouco de detergente neutro e sal, enxaguando bem.
Como vocês podem observar o tingimento da minha camiseta ficou bem manchadinho, mas para mim considerei um "efeito especial", encaro com muita reverência poder fazer uso de corantes naturais, seja para os alimentos, roupas, artesanatos... é uma energia muito gostosa que emana e nos imanta, a cor amarela é estimulante do sistema nervoso, do intelecto e da inspiração.

Na foto acima os ingredientes para a confeccionar uma máscara para cuidados com a pele
Máscara para a pele do rosto e do corpo - receita tradicional indiana:
- 1 colher de sopa de açafrão-da-terra em pó;
- 1 colher de sopa de farinha de grão-de-bico;
- 1 colher de sopa de água (na minha máscara utilizei leite de coco caseiro)
Misture tudo, espalhe sobre a pele e deixe agir até secar. Enxague em água morna com suaves movimentos circulares. Recomendo enxaguar já embaixo do chuveiro.
Observações: esta é uma receita tradicional indiana, país onde geralmente as pessoas têm a tonalidade da pele morena-escura, dessa forma, se você se enquadra neste perfil, vai ser uma opção perfeita. Para peles mais claras, como a minha, o que vai acontecer é uma maciez incrível, no entanto, fica com uma tonalidade amarelada por pelo menos um dia, ou seja, faça quando for ficar por casa. Eu amei o resultado e vou continuar fazendo.

Você quer experimentar um chá com açafrão? Abaixo segue a receita.
Chá de açafrão, gengibre, limão e ervas:
Ingredientes
- 3 gramas de açafrão fresco ralado (se for usar o pó, apenas meia colher de chá);
- 1 rodela de gengibre;
- algumas folhas de ervas frescas de sua preferência;
- sumo de 1/4 de limão;
- 1 colher de chá de óleo de coco;
- água em quantidade suficiente para uma xícara.
Numa panela de inox coloque a água para ferver com o açafrão e o gengibre. Deixe ferver por um minuto. Desligue o fogo, acrescente as ervas e tampe a panela. Depois de dois minutos, coe o chá, acrescente o limão e óleo de coco. Mexa, e beba em seguida. Uma delícia saudável.


Na culinária o açafrão constitui-se em excelente corante natural, veja abaixo os pães coloridos que confeccionamos, os bolinhos e biscoitos também com a massa tingida com o pó de açafrão. As massas de bolo, ficam com um sabor bastante exótico e gostoso. O açafrão pode entrar na nosso dieta de diferentes formas, em vitaminas, sucos, saladas, refogados, no arroz, feijão. Sua criatividade é o limite!
Na sequência três vídeos sobre o açafrão-da-terra produzido por nós